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Gigante surfa em onda perigosa

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“Faz anos que a Alemanha vem piorando. Saímos perdendo com a globalização! Mas os políticos nos fazem acreditar que a única solução é trabalhar ainda mais. Esses políticos são marionetes da economia. Dizem que o desemprego está caindo e que ainda somos campeões em exportação! Mas a realidade é que os pobres ficam mais pobres, e os ricos mais ricos!”

O trecho acima foi dito pelo personagem Rainer Wenger, protagonista do filme A Onda (Die Welle, 2008, Alemanha). Qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência. Entretanto, Wenger não é nazista. Na verdade, ele é um professor de história que simpatiza com o anarquismo. No longa, porém, quando o personagem se vê diante da tarefa de ensinar autocracia para seus alunos, propõe que façam da própria sala de aula uma experiência de governo autocrático. Diante de uma classe que não acreditava ser possível um novo regime como o de Hittler na Alemanha, e por isso mesmo desinteressada em estudar o assunto, fazer um “laboratório” foi a saída encontrada pelo educador.

Dia após dia, Wenger introduz não só os conceitos desse regime político, mas também as práticas: suprime liberdades individuais, homogeniza a turma, exclui os que pensam diferente, adota um discurso extremamente ufanista, prega a coesão e união acima das subjetividades, instala uma disciplina rigorosa e cria o movimento ‘A Onda’. Em sete dias a classe estava vivendo em uma ditadura comandada por ele. Porém, ao contrário do que se pode esperar, os alunos não só gostaram como também convenceram mais adolescentes a aderir ao movimento que, a essa altura, já havia extrapolado os limites da escola. A ideia do professor era provocar reflexão sobre os perigos da força irrefletida da juventude que, em condições ideais como as de sensação de injustiça social, podem ser facilmente manipuladas.

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Antes do trágico fim da experiência, os alunos, todos anti-nazismo, foram convidados a escrever sobre suas experiências n’A Onda’ e os trechos abaixo, marcadamente fascistas, fizeram parte de algumas das redações. “Sempre tive tudo que quis. Roupas, dinheiro, tudo. O que eu mais tinha era tédio. Mas os últimos dias foram muito divertidos,” Jens. “Não importa quem é o mais bonito, mais popular ou faz mais sucesso. ‘A Onda’ nos tornou iguais,”  Lisa. “Raça, religião e classe social não importam mais, pertencemos a um movimento,” Sinan. “‘A Onda’ deu significado às nossas vidas. Ideais pelos quais vale a pena lutar,” Maja. “Antes eu batia nos outros. quanto mais penso nisso, vejo como era idiota. É muito melhor ser parte de uma boa causa,” Bomber. “Quando podemos confiar uns nos outros, conquistamos muito mais, mesmo que isso signifique, sacrificar a nós mesmos,” Marco.

Esse seria apenas mais um roteiro interessante se não tivesse acontecido de verdade. A versão real aconteceu na Califórnia, em 1967. O professor de história Ron Jones, quando questionado sobre a responsabilidade do povo alemão pelas ações do Terceiro Reich, resolveu fazer uma simulação. O objetivo era explicar como as pessoas eram suscetíveis ao ‘efeito manada’ quando provocadas por razões e líderes oportunistas. No início, a classe que ganhou o nome de ‘A Terceira Onda’, começou tímida, mas em pouco tempo já havia um cartão de “sócio” e uma “polícia” de estudantes para vigiar e calar as vozes dissonantes. Jones interrompeu a experiência quando o assunto da aula, originalmente para 25 alunos, chegou a reunir mais de 300 adolescentes e um deles, perdeu a mão construindo explosivos. O professor norte-americano, hoje impedido de lecionar e com 68 anos, afirmou, na época do lançamento do filme, que jamais faria algo parecido de novo. “Era como estar em meio a uma explosão de energia. Esse tipo de experimento é útil para mostrar quão facilmente nos tornamos vítimas desse tipo de coisa.” Em A Onda, a arte imitou a vida. Nota 8

Se substituirmos a palavra ‘Alemanha’ por ‘Brasil’ no discurso de Wenger, transcrito no primeiro parágrafo, teremos algo muito parecido com os brados de uma parcela dos manifestantes que pode estar se aproveitando do movimento espontâneo para propor um outro movimento, no sentido contrário, e nada despretensioso. É preciso cuidado redobrado para que os discursos feitos hoje nas ruas do Brasil não guardem sinistras semelhanças com trechos extremistas das redações dos alunos do filme.


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